ARTIGO • A CONEXÃO QUE NOS DESCONECTA DE NÓS MESMOS
Já nos primórdios da existência humana o homem precisava de um tempo para pensar a sós. Tempo este necessário não apenas para refletir sobre sua sobrevivência – suas responsabilidades dentro da ‘tribo’ ou comunidade -, mas também para compreender suas complexas características existenciais. Por isso, mapear quando e como impor limites nas redes sociais para se autoconhecer é importante.
As turbulências do nosso mundo, cada vez mais frenético e com milhares de informações que interpelam nossa mente a todo instante, somadas a uma cultura permissiva em que as pessoas invadem nossos espaços a todo momento, não nos dá respiro para maiores reflexões pessoais. Esta invasão, por sua vez, se dá de diversas formas, uma delas e, talvez a mais atuante na atualidade, é a que acontece via redes sociais e aplicativos de conversas, como o Whatsapp.
Questiona-se então um novo paradigma, tipicamente pós-moderno: seria a tecnologia uma ferramenta que nos conecta aos outros e nos desconecta de nós mesmos? Ou ainda: nos conecta de que forma aos outros, com que relação e profundidade? Estas e outras questões nos levam a refletir sobre algumas questões fundamentais da natureza humana e o rumo que estamos tomando com as nossas decisões, sejam elas conscientes ou não.
Pelo desenvolvimento da autoconsciência e desenvoltura social, a consciência humana ganhou uma dimensão mais complexa, não presente na maioria dos seres vivos. E isso é bom e ruim. Bom porque faz com que a pluralidade de repertórios cognitivos e comportamentais sejam maiores e benéficos para a qualidade de vida. Ruim porque tal característica, da mesma forma que pode ser direcionada para a melhoria da vida das pessoas, pode ser igualmente danosa para a construção de elementos destrutivos que fomentam o ódio e a violência. Em suma, foi a consciência humana construída através dos milhares de anos que, coletiva e individualmente, nos permite estar com os outros de uma forma mais presente, com generosidade e compaixão. Essa ideia remete um pouco a importância de estar com os outros, ao passo em que notamos a importância de nos permitir estar sozinhos.
Dentro dessa “permissão”, que nos remete à ideia sobre como desacostumamos a estar sozinhos – com o uso de smartphones a todo o momento em nossos bolsos -, a comunicação instantânea e impessoal, pode reduzir a possibilidade de se colocar limites para sermos “nós mesmos” ou encontrar o ser “heterogêneo” que reside em nós, isto é, forçando-nos a renunciar ao que nos faz sermos pessoas únicas.
Fato é que, na contramão disso e numa direção fugaz, a quantidade de informações que chegam até a gente, nos tira desse estado de reflexão. Além do mais, requer habilidades cerebrais complexas. Biologicamente, o ser humano não está preparado para elaborar tantas informações. A consequência é óbvia, mas ignorada: legitima-se como normal a falta de tempo para coisas importantes e pessoais, como a dedicação de relações afetivas e amorosas, tarefas diárias singulares e prazerosas, perdendo-se espaço para a tecnologia “online” onde apps fazem de nós reféns dos prazos improrrogáveis, conversas superficiais e relações rasas.
Não por acaso que, na prática clínica, o silêncio ganha grande relevância, pois abre a porta de um confronto da pessoa consigo mesma. Talvez seja este o momento de virada e em que ela chega mais próxima da solidão e começa a, ainda que sutilmente, desligar-se do mundo externo para lidar com suas fantasias e monstros internos. Num momento em que o terapeuta é um cuidador, com o compromisso de ser um companheiro condutor da jornada individual de cada um, o processo de apropriação de si acontece.
Embora não estejamos no controle total de nossas decisões – na maior parte das vezes, irracionais -, como já documentara o fundador da psicanálise (Sigmund Freud), podemos controlar o quanto e como podemos nos dedicar para (re) pensar acerca das questões e complexidades que nos impulsionam para avançar e evoluir enquanto indivíduos dentro de um contexto mais amplo, saciando determinados desejos, abrindo mão de outros e dando espaços para novos “insights”, verdadeiramente importantes. Para isso, a imposição de limites que nos dedicamos para os outros, como para nós mesmos, deve ser sentenciada, incluindo o acesso ao mundo virtual/digital.
Não obstante, muitas contribuições da humanidade advieram de pessoas “excêntricas” e que desenvolveram seus talentos, resilientes aos estigmas predominantes. Não nasceram assim, mas desenvolveram-se dentro de uma perspectiva de auto-diferenciação.
Isso vem com o tempo e em momentos em que tiveram tempo para a fluidez de pensamentos. Por este ângulo, estar sozinho permite estar com o outro de forma mais enriquecedora, benéfica para todos e, sobretudo, autêntica. Isto sim seria “A conexão que nos conecta de nós mesmos” que vai de encontro à “conexão que nos desconecta de nós mesmos”. [email protected]